Mães enfrentam assédio materno e outras dificuldades para se manterem no mercado de trabalho. Segundo a ministra Maria Helena Mallmann, do Tribunal Superior do Trabalho, a maternidade tem sido apontada, em várias pesquisas, como variável determinante para a violência e a discriminação das mulheres.
Violência e discriminação
São exemplos de uma realidade hostil vivenciada pelas mães no mercado de trabalho. “O assédio materno é uma realidade. É uma atitude perversa, com o intuito de tornar insuportável a vida da mãe no local de trabalho, chegando ao ponto de ela se sentir desconfortável e querer interromper o vínculo de emprego”, diz a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Helena Mallman. “A maternidade tem sido apontada, em várias pesquisas, como variável determinante para a violência e a discriminação das mulheres. A maioria prefere contratar colaboradoras com menos responsabilidades externas e que não estejam submetidas a ‘triplas jornadas’”, ressalta.
Segundo a ministra, o assédio materno se caracteriza por violências psicológicas e práticas discriminatórias às empregadas mães sempre no ambiente do trabalho ou em decorrência dele. Ele pode acontecer desde a confirmação da gravidez, no período destinado à amamentação e, principalmente, por ocasião do retorno da licença-maternidade. “São situações que repercutem em alterações ardilosas das condições laborais: modificação de função, fiscalização excessiva, alteração do posto de trabalho, variação de horário, advertências injustificadas dos superiores ou mesmo de colegas que se sentiram sobrecarregados durante o afastamento”, exemplifica.
O que dizem os números
Essa realidade se traduz, em escala nacional, em estatísticas que demonstram a dificuldade de as mães conciliarem a vida familiar com a profissional. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de ocupação entre mulheres que vivem em domicílios onde há uma criança com menos de três anos é de 54,6%. Esse índice é inferior ao registrado para as que vivem onde não há crianças nessa faixa etária, que é de 67,2%. Já para os homens, o efeito é inverso: quando há uma criança menor de três anos, a taxa de ocupação é de 89,2%; quando não há, é de 83,4%. O recorte estatístico considera mulheres na faixa dos 25 aos 49 anos.
Já o estudo “As consequências das políticas de licença-maternidade para o mercado de trabalho: evidências do Brasil” (disponível em inglês) identificou que, após 14 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade acabam fora do mercado de trabalho – e as que têm menor escolarização são as mais prejudicadas. Na maior parte, elas são demitidas sem justa causa. A análise foi desenvolvida pelos pesquisadores Cecilia Machado e Valdemar Rodrigues de Pinho Neto e divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A questão do tempo
Outra realidade desafiadora que leva as mães a não conseguirem permanecer no mercado profissional ou a não investir no desenvolvimento da própria carreira é a sobrecarga de trabalho. Segundo o IBGE, em 2019, elas dedicaram quase o dobro do tempo destinado por homens a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos: foram 21,4 horas semanais das mulheres, ante 11 horas declaradas por eles.
Isso é resultado de uma construção cultural, que trata os cuidados familiares e domésticos como uma questão do gênero feminino, destaca a juíza do Trabalho Bárbara Ferrito, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) e autora do livro “Direito e Desigualdade: Uma Análise da Discriminação das Mulheres no Mercado de Trabalho a partir dos Usos dos Tempos”.
Ações contínuas
Enfrentar a discriminação e o assédio requer, na avaliação da ministra Maria Helena Mallmann, ação contínua e conjunta entre os atores do mundo do trabalho, sindicatos e órgãos representativos de classe de todas as categorias profissionais. “Todos têm responsabilidades distintas e papéis complementares”.
Ela destaca, também, o papel educativo dos empregadores para a prevenção de condutas assediadoras e discriminatórias, com iniciativas de informação e conscientização e a abertura de canais seguros de denúncia para casos de assédio moral.
Ainda, para a ministra, é importante que as empresas apoiem a conscientização sobre a parentalidade responsiva (que promove o vínculo entre genitores e filhos de forma não violenta e sem abuso físico, sexual, moral ou psíquico) e a adoção de boas práticas para o retorno das trabalhadoras após o término da licença.
Responsabilidades compartilhadas
Recentemente, a Lei 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, alterou a CLT para prever uma série de ações destinadas à inserção e à manutenção de mulheres no mercado de trabalho, incluindo, também, medidas que incentivem a participação dos homens na rede de cuidados da família.
A juíza Bárbara Ferrito observa, também, medidas voltadas à corresponsabilidade. “Apesar de o parto ser monopólio da mulher, todas as obrigações decorrentes dele podem ser devidamente repartidas com homens e redes de apoio”, afirma. “Trabalhos de cuidado não são exclusivos da mulher, mas próprios da vida humana e suas relações, devendo, pois, recair sobre homens e mulheres”.
Ela ainda ressalta que, essa transformação social deve se dar, também, nas normas jurídicas e nas instituições. “Essa mudança de olhar permite que problemas antes vistos como femininos se tornem questões sociais a serem resolvidas de forma estrutural, e não individualizada por cada mulher.”
Licença-maternidade
Exemplo disso é a licença-maternidade. A Constituição Federal prevê o afastamento de 120 dias para a mãe e de cinco dias para o pai. Países mundo afora adotam modelos diferentes. Itália, Portugal, França, Espanha e Alemanha, por exemplo, harmonizam o tempo da licença entre mães e pais com ajuda monetária. A Espanha, aliás, se tornou, em 2021, o primeiro país do mundo a dar licenças iguais a ambos após o nascimento do bebê (16 semanas), com remuneração integral.
O que fazer
A trabalhadora que sofre assédio ou discriminação em razão da maternidade pode procurar orientação jurídica para reivindicar seus direitos. “Muitas vezes, o relato da situação já indica a prática ilegal do empregador. Qualquer diferença de tratamento ou a desconsideração da condição de mãe ou de mulher pode ser indício de discriminação”, explica a juíza Bárbara Ferrito.
Ela alerta que os problemas podem ocorrer antes mesmo da contratação, como numa entrevista de emprego. “Perguntar estado civil, se tem filhos ou se pretende ter é discriminatório, porque indica que existe uma resposta ‘certa’”, esclarece.
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